MULHERES DE ETNIA ROMANI - Dª ISABEL CASTILHO OU Dª SAVETA


Isabel Castilho – Saveta

Essa é a história de uma mulher brasileira   
que como muitas do seu tempo, 
presenciou um Brasil e suas várias faces. 
Ela é uma romli Caldarax.

No mês de maio do ano de mil novecentos e vinte e cinco, no dia 13 para ser mais exata, nascia Isabel Castilho, Saveta, seu nome entre os seus.  

Veio nas caravanas de fuga, da Argentina para o Paraguai e de lá pra cá, Brasil, terra mãe gentil, para essa romli, que por aqui chegou, atravessando matas, estados e territórios. País em que recebeu seu registro.

Aos doze anos de idade, já em terras Brasileiras, canta, brinca como criança, mas prepara o fogo, limpa a barraca, bate os colchões e vare os tapetes, prepara a papa, feita de arroz e cuida dos seus pais com malária. Foram 5 episódios ao todo. Na fuga da segunda grande Guerra Mundial a menina ainda criança ganha força da sua própria natureza errante, forja e molda com as dificuldades a futura mulher que seria, faz com o canto da Paloma Branca e os passos da dança cigana limpem seu coração.

Dona Saveta, hoje com seus 87 anos, registrada na cidade de Uberaba, já vendeu tacho, já viajou com cinema itinerante, já leu sorte, já dançou tango. 

A barraca ficou pra trás no ano de 1986, mas voltou a fazer parte em 1994. Assim, apenas em 2008 essa realidade muda novamente. Quando perguntamos se ela sente falta da vida nas caravanas ela diz: a vantagem é que se não gostamos de um lugar ou se esse lugar não gosta da gente, vamos embora. Não precisa ter desavença onde existem estradas. Somos livres. Se não nos querem aqui, se não vendemos nada, vamos. Hoje aqui, amanhã ali. Livres. Na casa temos mais conforto, é bom também.

Num tempo onde as perseguições e a discriminação se acirram cada vez mais, permanece ela, com sua sabedoria e sua fé. Cabe a ela manter a língua,  a oralidade da família, o elo entre a transição; o passado e o futuro dos netos e bisnetos, vistos pelos olhos de uma mulher que suportou o peso da guerra,  amargou a morte do marido e carregou com dignidade e honra o nome da família.

Quando sentada ao seu lado pergunto: se a senhora pudesse hoje dar um conselho aos outros roms e romlia, do mundo todo e aos nãos ciganos, o que diria? Diria para que deixassem Jesus entrar, a vida fica mais fácil e o fardo mais leve. A vida de cigano é sofrida, mas é divertida.

Aos 89 anos, dona Saveta ainda luta contra o racismo e o preconceito aos romani no Brasil, ainda se senta e conta como era no tempo das grandes festas, de quando a incerteza fazia a rota da estrada a seguir e de quando a polícia tratava de correr com eles, 2 ou 3 dias, depois de ganhar criança.

Ela é o retrato vivo da história falada, da oralidade e das lendas que não se contam mais. Ela é a mulher que carregou lenha e água, e que hoje mantêm sua vestimenta, orgulhosa do seu passado, feliz com suas conquistas e esperançosa num futuro melhor.
Dona Isabel Castilho é mãe do chefe da família Castilho de Aparecida de Goiânia, é Caldarax, avó de 12 netos e 18 bisnetos; e esse número não para de crescer, tudo isso é um pequeno tesouro, como uma pomba branca.

Ela guarda a resistência das mulheres, idosas, chefes de família, senhoras capazes de desafiar o destino. É real, brasileira e cigana; e como tantas outras, é invisível aos olhos de muitos, mas o mundo pode ser visto através de seus olhos até os dias de hoje.


Brasília – Julho de 2014
AMSK - Brasil

Comentários

  1. Venho deixar um beijinho para todas :)

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  2. Que belo relato de mulheres desbravadoras e cheia de coragem. Queria conhecer Dona Saveta. Ela deve ter histórias fascinantes da vida cigana. Se houve vida passada eu devia ter sido uma cigana pois tenho muito carinho e admiração por este povo. Suas histórias e suas vestimentas são de uma beleza inspiradoras. Aqui no Rio grande do Sul, fizemos acampamentos tradicionalista e sinto uma grande felicidade quando acampamos. Assim deve ter se sentido dona Saveta nos acampamento.
    Bjos e sucesso na suas jornadas. E não se importem com o povo racista eles um dia provarão do mesmo veneno.
    .

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    1. Que retrato interessante! Que mulher fantástica será, cheia de vidas dentro da vida, cheia de mundos nos olhos, cheia de gentes, de sorrisos e de lágrimas!
      D. Saveta é uma Mulher que se afirmou, com tanta dificuldades.
      "Dona Saveta, hoje com seus 87 anos, registrada na cidade de Uberaba, já vendeu tacho, já viajou com cinema itinerante, já leu sorte, já dançou tango" Que maravilha! É uma esperança para todosos que quase não conseguem crer! É uma esperança para mim que começo a duvidar do que vale a pena fazer de bom...
      Mundo louco e triste este.
      E guardou o seu sentido do humor de vaijante de peito aberto: "Diria para que deixassem Jesus entrar, a vida fica mais fácil e o fardo mais leve. A vida de cigano é sofrida, mas é divertida."
      Vou com ela!!!!
      beijos às amigas queridas
      o falcão

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    2. Gosto muito dela Falção, ela é assim, linda, bonita e sempre alegre. De certo a vida tem seus mistérios e há tanto a se contar e a se descobrir.

      bjs muitos e que bom que ela te deu um levanta leão. Precisamos sim, saber que há muita coisa boa a se fazer ainda.

      amamos vc.

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    3. Querida Anajá, por cá, os acampamentos são sempre uma incógnita, nunca se sabe se terá água, luz ou se a polícia vai deixar ficar. Acredito que sejam diferentes dos acampamentos de que se lembra, viver numa tenda é bem diferente de passar férias, tiro por mim mesma, que nunca vivi em tenda.
      Mas sim, as conversar com dona Saveta são ótimas, ela é linda.

      bjs nossos

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  3. Oi, Cozinheiras queridas!

    Emocionante!

    Queria mirar estes olhos. Talvez agradecê-los pela resistência. É da resistência que brotam os ensinamentos, as lições.

    Em geral os olhos estão em busca de superficialidades, efemeridades, sem perceber, não se enxerga, pensando estar vendo tudo.

    D. Saveta deu a dica de como podemos "ver" melhor : Jesus ( que eu traduziria também, em amor, o verdadeiro, o real, não o efêmero, o superficial). Mandou bem, D. Saveta!

    Beijos

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    1. Que coisa mais boa te ver aqui. Que bom que gostou e que está bem.
      Do resto, vamos contando as conversas e mostrando as realidade: boas e ruins. O pessoal que explora apenas as dificuldades precisam saber que o sucesso é possível sim, com esforço e dignidade.

      bjs muitos

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  4. Uma história bonita e com muitos percalços para vencer.
    Beijinho para todas. :))))))

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    1. Mas com o carinho dos amigos e dos que vão se achegando ... inclusive com livros belíssimos, vamos tomando coragem pra lutar.

      bjs e nais tukê amiga,

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  5. Gostei imenso! "A vida de cigano é sofrida, mas é divertida": que bonito! Não há nada pior que aborrecer-se na vida.
    Beijinhos

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    1. Ela é ótima, curtiu a exposição como ninguém. Todos a amaram.

      bjs nossos e de preferencia sem aborrecimento mesmo.

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