MOLHOS E MAIS MOLHOS E MUITAS CONVERSAS NA COZINHA
Molho, molho, molho!!!
Já repararam que usamos molho pra quase tudo? E tem sempre um molho que a gente se recorda, que lembra alguém! Que estampa um acontecimento ou simplesmente está lá, e se não estivesse o prato seria assim ... sem graça. Ah, é verdade sim, molhos contam histórias.
Molhos, alguns amigos, outros inimigos, molhos dão sabor a vida (Shória).
Shória é uma descendente de ciganos; metade Kalderash/metade Sinte. Assim ela acha!!! Kalderash por parte do avô e Sinte por parte da avó, coisas que vieram se desenrolando ao longo dos anos. Muitos se separaram, fui criada pela minha irmã mais velha Sonya. A única hora que podíamos conversar era enquanto cozinhávamos – eu subia num tamborete e a ajudava. Ela sempre gostou de molhos. Sonya havia se casado com um rapaz de família rica, de bem com a vida ela sempre foi boa na cozinha. Fazia comida em casa e começou a vendê-la pra fora. O Bartolo seu marido sempre foi bom de negócios e gostava de estudar, de família meio cigana, foi um pai pra todos. Fez administração de empresas. Shória aprendeu alguns costumes com a mãe, mais ela morreu cedo, deixando mais 3 irmãos. O pai era fotografo e havia morrido tempos atrás, quando Shória tinha apenas 5 anos. Com o tempo foram estudando e ganhando liberdade, não muito aceita, mais havia confiança. Todos se formaram; um bom emprego, costumes meio estranhos para muitos, vida normal para outros. Shória é divorciada, mãe de 2 meninas lindas e modelista. Shória é descendente como nós. Aprendi a viver entre os dois mundos e isso me fez muito bem.
É da cozinha de Sonya que ela traz a receita do molho de alho – forte, denso, cremoso e difícil de esquecer. Esse molho é a cara da Shória.
Separe 1 xícara de (chá) de azeite (menos 2 dedos) e reserve. Bata no liquidificador 1 xícara (chá) de leite grosso/com nata, 1 colher de sopa de orégano, 2 dentes de alho grandes, 1 colher de (chá) de sal e 1 colherinha de (café) de mel. Bata tudo no liquidificador até não ter nenhum pedacinho inteiro. Com o aparelho ligado, vá colocando o azeite em fio, devagar, até que o molho engrosse. Coloque umas raspas de alho tostado e cebolinha fresca picada. Divino.
Antônio é Calon, amante da boa mesa, é a quarta geração dividida de ciganos. Não sabe muito sobre a história da família e por lá ninguém gosta muito de falar. Formado em direito, ele se reserva o direito de conservar o costume das reuniões ao ar livre, da devoção por Sara à Kalí, de muita música e muita dança também. Sua esposa é dona de um restaurante natural que se especializou em molhos.
Adivinha de quem é a receita? Às vezes sinto uma saudade que não sei de onde vem. Paro, respiro e espero que o vento me conte. Tem dado certo. Acho que a intuição dos meus antepassados me acompanha. Antonio é mais um descendente.
O Molho de manga com cardamomo do Antônio, com uma ajudinha da esposa é claro.
Descasque 1 manga madura e leve ao liquidificador com 1 copo de Iogurte natural, uma pitada de sal, 1 colher (sopa) de cebolinha fresca e bata bem. Numa panela esquente 1 xícara (chá) de água com 2 cravos e 7 cardamomos, quando ferver, retire-os, acrescente o molho, abaixe o fogo e reveja o sal. Quando engrossar, retire e espere um pouco pra servir ou resfrie quarde na geladeira por meia hora antes de levara mesa. O gosto adocicado da manga e a presença marcante do cardamomo são duas características fortes do Antônio.
Judite nunca sonhou que poderia ser cigana, nada de conversas, nada de cultura. O que havia era muita religiosidade por parte das avós de ambos os lados. Por acaso veio à dança cigana, começou o enderece de saber mais sobre a cultura. A sorte é que sua profª sabia que esse tipo de assunto é coisa séria e foi dando material qualificado para que ela pudesse estudar. Até aí ninguém sabia de nada. Em uma das confraternizações do grupo ela chamou uma tia, irmã da sua mãe. Dois dias depois ela saberia que suas bisavós vieram jovens para o Brasil, fugidas da antiga Iugoslávia e que na sua revolta por perderem família e amigos, por terem que alterar seus nomes, resolveram esconder a origem. Os filhos cresceriam sem a marca da perseguição. E assim foi, até uns 4 anos atrás.
Quanto sofrimento eles passaram, quanta amargura. Eles morreram com a certeza de um futuro garantido pra família. Não os culpo; só me resta compreender e entender. Estou formada e realizada profissionalmente, acho que tudo está se ajeitando como devia de ser. Judite é formada em Física e é uma descendente.
O Molho de tomate com raiz forte foi o molho escolhido pela Judite.
Pegue 6 tomates maduros, 1 cebola grande, 1 xícara de bardana picada bem pequenininha, 2 dentes de alho amassados e refogue em azeite e 1 pitada de açúcar. Em seguida junte 3 copos de água e 1 colher de (sopa) de sal. Tampe a panela e deixe cozinhando até desmanchar. Acrescente 1 colher de (sopa) de gengibre ralado e mexa bem. Quando estiver no ponto de refogar de novo, bata tudo no liquidificador e volte para a panela com 1 cálice de Vinho tinto. Mexa e verifique o sal. É costume colocar um pouco de tomilho fresco na hora de servir. Denso e de gosto marcante, realmente lembramos de Judite.
Assim são muitas as histórias. Algumas ficaram perdidas no tempo, sem registro. Outras foram se achando. Reunimos-nos nessa páscoa, cada um com sua lembrança, sua história e suas estradas. Revirar o passado nem sempre é bom, traz muito sofrimento, mas se isso é importante e de certa maneira vai trazer um rumo, uma clareza pra sua vida, então vale a pena. Os descendentes são a linha do meio. São filhos que história criou, no caso de Shória, Antônio e Judite as coisas se ajeitaram. Todos têm devoção por Santa Sara, desde pequeninos.
Cozinha dos Vurdons
As quatro histórias são muito bonitas e acompanhadas com estes molhos que devem ser saborosos a beleza ainda é maior.
ResponderExcluirEstou a aprender muito convosco e não são os molhos a vertente principal mas as histórias que eles trazem.
Não sei nada da vossa cultura, a aprendizagem que faço neste blogue enriquece-me humanamente. É tanta novidade!
5 Bjs. :)))))
Ana, quando escrevi em sua janela sobre aprender com a experiência era isso. Eu aprendo com vc cada vez que passo por lá e vc por aqui. Essa troca é única, não podemos fazê-las em livros, só na vida real, só no respeito do dia a dia.
ResponderExcluirbjs e obrigada por estar aqui mais uma vez.
Cozinheira 7
De acordo com as duas...
ResponderExcluirNada como abrir os olhos e a alma ao que nos é "dado" pelos outros...
beijinhos
Bj nossa cara amiga,
ResponderExcluirsempre bem vinda.
Te mandei um e-mail tá?
bjs
É uma delícia ler este blog!
ResponderExcluirUm abraço!!
Então Carlota, fique a vontade. Para nós é um prazer vê-la por aqui.
ResponderExcluirbjs
Cozinha dos Vurdóns