TCHAIÓ ROM - por BHÀ ANNA


 RECEITAS DE FAMÍLIA

CHÁ CIGANO – um lenço na cabeça, sempre de avental comprido, amarrado na cintura. Dois bolsos arredondados. Os olhos de um verde esmeralda pura, fortes e firmes. A pele um moreno meio de sol, de tanta bacia de roupa pra lavar. Depois de fixar residência no interior de Minas Gerais, entre uma fornada e outra de comidas simples e de um sabor sem igual, essa cigana de um clã Kalderash – Anna, deixou em nossas memórias algumas receitas e em nossos corações muita força e muita saudade. 

Sobre o Chá Cigano, ela costumava dizer: Meus pais não deixavam o chá torrado, forte, de lado. O frio do leste europeu pedia isso, aqui não, gosto do chá mate que é mais suave, misturado com limão. Alegra a alma e acalma o corpo, ajuda a gente a dormir melhor e acordar mais preparada para o dia a dia da lida.

Acostumei a usar laranja, uva, hortelã, funcho, hibisco vermelho, amora, cravo, morango, pêssego, pêra, maça e damasco. Cada qual tem a sua serventia, como tudo que Deus faz é bom. Essa deve ser a bebida de toda pessoa que respeita e agradece a Deus pela criação. Pense comigo, Nada aqui precisa ser comprado, na miséria de muitas caravanas ou kumpanias, essa coisas britam do chão, a natureza dá de presente o alimento, a gente é que passa e não vê, não enxerga. Vemos tijolos, carros, dinheiro, mais a natureza não pode ser deixada de lado e tudo o que é fruto, foi Deus quem plantou, a chuva que aguou. É por isso que chá bem feito cura qualquer coisa, porque esse é o alimento que Deus deixou pra nós nesse mundo, o alimento do corpo e da alma. Ele não ia deixar a gente morrer de fome. A fruta é doce , como é doce o carinho dele por nós, nos lembrando que por mais difícil que seja essa nossa passagem por aqui, ele se lembra até de nos alimentar e com doçura. O nosso corpo é sagrado e ele deve ser lavado e enxaguado todo dia.

É claro que não põe tudo junto que fica ruim, mais cada qual serve pra alguma coisa diferente, pra uma necessidade, escolhe com calma umas 5 a 7 frutas e faz o chá.

Laranja – serve pra adoçar e pra combater o calor do corpo, a folha dela serve pra febre e a gente urina melhor,
Limão – ajuda na gripe e não deixa a gente adoentar o corpo,
Uva é doce como o mel e faz a gente se lembrar de muitos filhos e irmão, todos num cacho só, além disso, ela melhora o sangue, deixa ele mais limpo,
Hibisco vermelho, amora e pêra é tudo fruta de mulher, ajuda na dor nas pernas, nas regras e no nervoso,
Pêssego alegra a alma e acalenta e coração,
Maça lembra a privação dos alimentos e deixa o coração bater mais devagar,
Damasco, esse quando tem é bom, junto com o funcho ajuda na digestão e dissolve as carnes que a gente come melhor, o corpo fica mais leve,
Hortelã acaba com qualquer tristeza e  tira o calorão do nervoso, alivia o pensamento e deixa a cabeça mais fresca,
Cravo acorda a gente, tira o corpo da moleza e não deixa adoecer de queixume da ferida amarela (inflamações).

Aquece água e põe o chá mate, ou pode ser de pêssego, ou de folha de amora, ou chá preto (que limpa o intestino e para vômito) e umas folhas de hortelã ou uns cravos amassado. Ferve, côa e deita por cima das frutas picadas e amassadas. Tem gente que côa e toma, mais isso tá errado. Toma o chá e come as frutas. Pode comer sem medo que faz muito bem pra qualquer um.


Bhá Anna morreu aos 89 anos de idade em 1973. Ela criou os filhos sozinha, lavando e passando pra fora. Viveu um grande amor e foi correspondida. O marido, um não cigano, rico e fazendeiro foi impedido pela família de se casar com uma cigana, fez greve de fome e morreu. Anna por sua vez foi deixada pra traz pela caravana, visto não aprovarem essa união. Em meados de 1930 seus filhos já estavam estabelecidos e com posses o suficiente para garantir a essa mulher forte uma vida de alegria e conforto. Nunca abandonou seu avental de bolsos e suas lembranças.

As receitas da Dona Anna, serão contadas agora no nosso blog. Uma despretenciosa homenagem a uma mulher que na década de 20 lutou pelo amor e pagou o preço da discrimanação e do preconceito. Quem diria Bhá, juntas de novo.

COZINHA DOS VURDÓNS.



Comentários

  1. Uma lágrima caiu ... linda história a da Bhá Anna ... muitos beijos meninas!

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    Respostas
    1. Os descaminhos são grandes, o preconceito maior do que se pode imaginar.

      a vida segue e nos também, afinal, aqui é um vurdón - uma carroça, que carrega uma cozinha de histórias.

      bjs

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